segunda-feira, 26 de outubro de 2009




“Poder na Fraqueza”
Você já começou a entender o que significa ser um cristão? Ser um cristão é ser uma pessoa em quem aparentes incompatibilidades coexistem, mas em quem é o poder de Deus que muitas vezes triunfa. Um cristão é alguém em cuja vida há um inerente e misterioso paradoxo; e esse paradoxo é de Deus. Algumas pessoas concebem o cristianismo como todo o tesouro e não o vaso. Se, por vezes, o vaso de barro é visível em um servo de Deus, elas acham que esse servo é um caso perdido, enquanto a concepção de Deus é que, nesse mesmo vaso, Seu tesouro deveria ser encontrado.
Neste ponto devemos fazer uma cuidadosa distinção entre homem e “a carne” no homem – entre a limitação que é inerente em nosso ser humano e a natureza carnal do homem com sua inveterada tendência para pecar, uma tendência que nos deixa (à parte da ajuda do Espírito Santo) totalmente impossibilitados de agradar a Deus. Essa distinção é a mais importante por causa da facilidade com que, mesmo em um filho de Deus, alguém influencia o outro, e com que a natureza humana em nós cede à natureza carnal. Que fique bem claro, portanto, que eu definitivamente não tenho a intenção, neste capítulo, de justificar ou fechar os olhos para o pecado ou a carnalidade. A carne deve ser resistida e entregue à morte – a morte da cruz. No entanto, a fraqueza, neste outro sentido, deve permanecer. Nosso bendito Senhor foi, por nossa causa, “crucificado em fraqueza”, contudo vive pelo poder de Deus (2 Co 13.4); e, quanto a nós, é em nossa fraqueza que Seu poder se aperfeiçoa. Há, portanto, uma “enfermidade” na qual é possível gloriar-se (12.9).
Assim Paulo diz-nos que ele tinha “um espinho na carne” (12.7). O que era eu não sei, mas sei que esse espinho o enfraquecia muito, e que, por três vezes, ele orou para que o espinho fosse tirado. No entanto, em resposta, Deus apenas lhe assegurou: “A minha graça te basta” (12.9). Somente isso – mas isso era suficiente.
Como o poder do Senhor pode ser manifestado à perfeição em um homem fraco? Pelo cristianismo, pois o cristianismo é isso. O cristianismo não é a remoção da fraqueza, nem é simplesmente a manifestação do poder divino. É a manifestação do poder divino na presença da fraqueza humana. Sejamos claros neste ponto. O que o Senhor está fazendo não é algo meramente negativo – ou seja, eliminar a nossa enfermidade. Nem, quanto a isso, é meramente positivo – conceder força em qualquer situação, a esmo. Não, Ele nos deixa com a enfermidade e concede a força ali. Ele está concedendo Sua força aos homens, mas essa força é manifestada em sua fraqueza. Todo o tesouro que Ele dá é colocado em vasos de barro.
Fé Quando há Dúvida
O que acabamos de dizer é uma impressionante verdade sobre a fé. Inúmeras pessoas vieram a mim e contaram seus temores e preocupações mesmo enquanto buscavam confiar no Senhor. Faziam seus pedidos, tomavam posse das promessas de Deus e, não obstante, sempre surgiam dúvidas inesperadas. Deixe-me dizer-lhe que o tesouro da verdadeira fé aparece em um vaso que pode ser dolorosamente atacado pela dúvida, e o vaso de barro, por causa da presença da dúvida, não invalida o tesouro; pelo contrário, o tesouro nesse ambiente resplandece com uma beleza maior. Não me entenda mal: não estou incentivando a dúvida. A dúvida é uma marca da deficiência em um cristão, mas eu gostaria de deixar claro que o cristianismo não é só uma questão de fé, mas da fé que triunfa na presença da dúvida.
Gosto de lembrar-me da oração da igreja primitiva para que Pedro fosse liberto das mãos dos ímpios. Quando Pedro voltou da prisão e bateu à porta da casa onde a igreja estava reunida em oração, os cristãos exclamaram: “É o seu anjo!” (AT 12.15). Você vê? Havia fé ali, a verdadeira fé, o tipo de fé que poderia trazer uma resposta de Deus; e, não obstante, ainda havia a fraqueza do homem, e a dúvida estava bem ali perto, por assim dizer. Porém, hoje, a fé que muitas pessoas que fazem parte do povo de Deus declaram exercer é maior do que a exercida pelos cristãos reunidos na casa de Maria, mãe de João Marcos. E elas têm certeza disso! Estão certas de que Deus enviará um anjo, e que todas as portas da prisão se abrirão diante delas. Se uma rajada de vento soprar: “Há um Pedro batendo na porta!”. Se a chuva começar a balbuciar: “Há um Pedro batendo na porta de novo!”.
Essas pessoas são muito crédulas, muito confiantes. Sua fé não é necessariamente um objeto genuíno. Até no cristão mais consagrado, o vaso de barro sempre está ali, e, pelo menos para ele, está sempre em evidência, embora o fator determinante nunca seja o vaso, mas o tesouro dentro dele. Na vida de um cristão normal, só quando a fé aumenta positivamente de modo a agarrar-se a Deus é que pode surgir ao mesmo tempo uma questão quanto a se talvez ele possa estar enganado. Quando ele está mais forte no Senhor, muitas vezes está mais consciente da sua incapacidade; quando ele está mais corajoso, talvez esteja mais ciente do temor no íntimo; e no ponto em que ele está mais alegre, uma sensação de angústia prontamente lhe sobrevém novamente. Somente a excelência do poder o leva às alturas. Porém este paradoxo é, em si, uma evidência, tanto de que há um tesouro como de que é ali que Deus gostaria que ele estivesse.
Deveria ser um motivo de grande gratidão a Deus o fato de que nenhuma fraqueza meramente humana precisa limitar o poder de Deus. Somos inclinados a pensar que onde há tristeza não pode haver alegria; que onde há lágrimas não pode haver louvor; que onde a fraqueza é visível falta poder; que quando estamos cercados por inimigos seremos confinados; que onde há dúvida não pode haver fé. Entretanto, deixe-me declarar com força e com confiança que Deus está procurando levar-nos ao ponto onde tudo que é humano só tem por objetivo prover um vaso de barro para conter o tesouro divino. Daqui para frente, quando estivermos conscientes da depressão, que não cedamos a essa depressão, mas nos entreguemos ao Senhor; quando a dúvida ou o temor surgir em nosso coração, que não nos entreguemos a eles, mas ao Senhor, e o tesouro resplandecerá ainda mais gloriosamente, por causa do vaso de barro.


(Textos estrados do livro “A Direção de Deus Para o Homem, de Watchman Nee, Editora dos Clássicos. Julho de 2004).



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